As formalidades essenciais consistem em trâmites
que têm de se verificar durante o procedimento administrativo sob pena da
decisão final administrativa, resultante de um procedimento em que se preteriu
alguma formalidade essencial, poder ser invalidada (anulada ou declarada nula) (veja-se por
exemplo o caso da audiência prévia dos interessados, no âmbito da qual a
doutrina discute se a sua preterição origina a nulidade ou anulabilidade).
Porém, em alguns casos, o próprio CPA admite a
não observância de algumas formalidades essências por razões de celeridade,
desnecessidade e prossecução do interesse público:
®
art.3º,
Estado de necessidade
®
situações
de urgência;
®
art.103º,
que permite não realizar a audiência prévia.
®
art.21º
O princípio do aproveitamento de actos
administrativos, em nome do princípio da eficácia, da racionalidade e da
proporcionalidade, permite a não anulação de decisões finais administrativas
quando se verificam as condições bastantes, cabendo nesta situação a preterição
de formalidade essenciais que entretanto deixam de o ser para passarem a não
essenciais, cuja preterição passa a acarretar irregularidade.
Existem algumas teses quanto à maneira de conceber este princípio:
·
As teses
finalistas ou funcionalistas, defendem que a preterição de a uma formalidade,
“só não deve provocar a anulação do acto pelo juiz se este comprovar que se
alcançaram no caso concreto, embora por outra via, os fins específicos que o
preceito visava atingir”;
·
As teses
substancialistas procuram saber se o vício teve influência ou não na decisão;
se não teve, presume-se que a decisão não ia ser diferente, pelo que não “teria
sentido a anulação por defeito formal”.
A ideia é que a aplicação deste princípio só pode ter lugar
quando o tribunal tem a certeza que o resultado teria sido exactamente o mesmo
com ou sem formalidade.
Defendemos assim que estes actos
administrativos praticados não devem ser declarados inválidos, por vícios
formais, de acordo com o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
Essas formalidades essenciais, que no caso concreto deixam de ser tão
essenciais, são descaracterizadas e degradadas em formalidades não-essenciais,
cuja não observação resulta somente na mera irregularidade.
Antes de mais desenvolvimentos,
somos obrigados a delimitar a nossa posição: não defendemos a não degradação
destas formalidades em qualquer caso da actuação administrativa – só no caso em
que a Administração Pública actua com poderes vinculativos. Uma vez que só neste caso a Administração não
tinha vários elementos para poder fazer valorações sobre o resultado final, ou
seja, quando o acto só podia ter aquele conteúdo face à Lei, quando a decisão
viciada só puder, em abstracto, ter o mesmo conteúdo que teve em concreto;
quando o conteúdo não possa ter outra alternativa juridicamente válida.
Por outro lado, só é possível o aproveitamento dos actos administrativos feridos de
anulabilidade, uma vez que nos termos do artigo 137º, os actos feridos de
nulidade não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão. Ou seja, uma
norma que determine a anulabilidade do acto não impõe a sua anulação quando o
fim específico que constitui a razão de ser normativa se cumprir, sendo então o
desvalor aplicado o da mera irregularidade. Desta maneira, para podermos
aplicar o princípio do aproveitamento dos a.a., o desvalor jurídico atribuído à
preterição de formalidades essenciais só pode ser o da anulabilidade. No caso
de falta de fundamentação, verifica-se. No caso de preterição da audiência
prévia, existe uma divisão: Freitas do Amaral refere que o desvalor seria a
anulabilidade, enquanto que para os professores Vasco da Silva, Marcello
Caetano e Sérvulo Correia, trata-se de uma nulidade, por se tratar de um
verdadeiro direito fundamental. Contudo, o STA refere que é permitido o seu
aproveitamento, verificando-se caso a caso.
A nosso ver as críticas tecidas a este princípio
(nomeadamente, o facto de se processar à margem da lei e de conduzir à violação
da separação de poderes) não procedem:
O
procedimento administrativo, quando foi criado, teve como principais objectivos
juridificar uma área do Direito (a actividade administrativa desenvolvida para a
produção de um acto administrativo) que se processava à sua margem, no intuito
de proteger as posições jurídicas subjectivas dos interessados, sobre os quais
recaiam as decisões administrativas; e permitir que fossem tomadas as melhores
decisões possíveis em termos de prossecução do interesse público, uma vez que
particulares e Administração colaboravam para esse fim.
Assim a não observação de algumas formalidades essenciais do
procedimento, para além de violar a lei, acarreta a transgressão de princípios
constitucionais. Contudo, por vezes em determinadas circunstâncias, o não
aproveitamento de um acto que preteriu formalidades essenciais poderá resultar,
senão na violação, pelo menos na não observação de outros princípios constitucionais,
como o da eficiência ou da racionalidade.
De facto, se se conclui que a Administração não teria
decidido de modo diferente se tivesse observado todas as formalidades, qual a
necessidade de duplicar actuações para se chegar à mesma conclusão? Não
ajudaria de todo a celeridade requerida pelo princípio da eficiência e da
desburocratização, nem a optimização de custos-benefícios (e mesmo a
necessidade) exigida pelo princípio da proporcionalidade.
Encontrando-nos no âmbito de princípios, e seguindo Alexy, sendo
os princípios critérios de optimização, havendo conflitos entre eles, haverá
que pondera-los, cedendo cada um na medida do necessário.
Sendo assim, o que se terá de fazer para admitir a aplicação
do princípio é ponderar princípios: o do aproveitamento de actos administrativos
(decorrente do princípio de desburocratização e eficiência), com o princípio
violado pela preterência da formalidade essencial, por exemplo o da não
participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito (no
caso de não realização ilegal da audiência prévia dos interessados – 100ºCPA -,
e para quem não reconduz a audiência prévia a um direito fundamental), que no
caso concreto, a ter sido observado, não conduziria a um resultado diferente do
verificado.
Deste modo, se é verdade que se
processa à margem da lei, não se processa à margem de princípios
constitucionais.
Se não se
admitisse a degradação em nome do princípio da legalidade, pois o fim especificamente
formal foi verificado, reduzir-se-ia a um formalismo excessivo, que acabaria
por “não servir nem tutelar nenhum interesse relevante” (STA).
Também não ocorre uma verdadeira
violação da separação de poderes: não há mais violação de poderes que aquela
que resulta dos tribunais se substituírem à administração na emissão do acto
que esta deveria produzir, admitida pelo CPTA (art.71º). Além do mais, o
Tribunal não se substitui à Administração, sendo este principio apenas
aplicável ao exercício de poderes vinculados, o juiz apenas reconstrói os
passos que já estavam previamente definidos pelo legislador, faz apenas um
juízo de valor que não se mistura com o procedimento administrativo. Além do
mais, este juízo ocorre após concluído o acto. Por outras palavras, há um
desfasamento material e temporal do acto administrativo.
Bibliografia:
Marcelo Rebelo de
Sousa e André Salgado Matos, “Direito Administrativo Geral”, tomo III 2ª edição,
páginas 55 a 56
Diogo Freitas do
Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, páginas …
Vieira de
Andrade, “Não cumprimento do dever de fundamentação”, páginas 307 a 336
Inês Ramalho, “ O
princípio do aproveitamento do acto Administrativo”
Ana Catarina Melícia & Filipe Rodrigues