domingo, 19 de maio de 2013

S ou Ç?


Também ligado com a questão da invalidade do procedimento, julgo interessante deixar aqui uma questão acerca da qual consultei o Prof. Vasco Pereira da Silva. Tenho conhecimento de um caso de uma senhora que, recentemente, tentou renovar o seu cartão de cidadão. No entanto, tal foi-lhe recusado, porque esta senhora, segundo a funcionária administrativa que a atendeu, não assinava correctamente o seu próprio nome, de acordo com o que constava no assento de nascimento. Ora, esta senhora, de nome Ascensão, sempre assinou com “s”, quando no assento constava “Ascenção”, com “ç”. O problema traduz-se no seguinte: agora, depois de casada, com filhos (tendo, portanto, registado os filhos), tendo já feito inúmeros Bilhetes de Identidade e outros documentos de identificação ao longo da vida, tendo desempenhado funções públicas, tendo concorrido para diversos cargos públicos, sempre com o nome “Ascensão”, a senhora vê-se obrigada a alterar todos esses documentos – nas palavras da funcionária que a atendeu. De facto, se o nome que consta do assento não corresponde ao nome que consta dos documentos de identificação, estamos na presença de uma ilegalidade. Ora, durante anos a Administração aceitou isto sem levantar qualquer problema.
Quando perguntei ao Sr. Prof, o que me respondeu foi que, de facto, estas ilegalidades produziram efeitos na prática, pelo que a Sra. não terá de alterar os restantes documentos. O que lhe resta fazer é impugnar o assento de nascimento, visto que corresponde a um vício da formação da vontade da Administração: os pais da referida senhora pretendiam o nome “Ascensão”, mas a funcionária do registo registou “Ascenção”. 

Maria Madalena Narciso

Direito de audiência prévia


Para começar, cumpre esclarecer o alcance do conceito de audiência prévia. Simplificadamente, o direito de audiência prévia (ou direito de audiência dos interessados) consiste no direito subjectivo concedido aos particulares considerados como interessados no procedimento administrativo, decorrente numa determinada altura, de participarem nesse mesmo procedimento. Ou seja, os particulares, através do exercício deste direito, têm a oportunidade de participar activamente – em vez de serem remetidos para o papel predominantemente passivo – na formação da vontade da Administração Pública. Desta maneira, a participação dos interessados revela-se um instrumento de protecção dos particulares e de colaboração destes com a Administração, na prossecução do interesse público.
A participação dos particulares no procedimento é garantida pelo artº8, 59º, 100º e 107º CPA. A audiência prévia dos interessados tem, como se disse, especial relevância na formação da vontade administrativa. Assim, este direito tem lugar não só na formação de actos e regulamentos administrativos como também na formação de contratos administrativos, como defende MARCELO REBELO DE SOUSA. De facto, o artº 59 CPA consagra um direito genérico de os particulares serem ouvidos (e, do outro lado, o correspondente dever da Administração), ao permitir que a autoridade administrativa proceda em qualquer fase do procedimento à audiência dos interessados. De facto, o direito de audiência pode ser considerado como uma concretização da regra do contraditório. Para VASCO PEREIRA DA SILVA, o dever de audição dos interessados por parte da Administração traz maior profundidade àquelas que considera ser as funções do procedimento administrativo: a função de legimitação pelo procedimento (aprofundada não só pelo direito de audiência como pelo direito genérico de participação, consagrado constitucionalmente no artº 268, assim como no artº 61 CPA), a função de criação de racionalidade, a função de manifestação e composição de interesses contrapostos e a função de tutela preventiva ou antecipada dos direitos. Aliás, é exactamente nesta última função que reside uma das principais vantagens da consagração deste direito (assim como da existência de um procedimento administrativo em geral): permite aos particulares salvaguardarem os seus direitos antes de serem lesados, antecipando a (possível) posterior impugnação e processo judicial que resultaria de uma tal violação. A audiência prévia dos interessados, para além da protecção administrativa, goza de protecção constitucional, nomeadamente no artº 268 CRP. De facto, é visto por JORGE MIRANDA como uma densificação do princípio da democracia participativa (constante do artº 9 CRP e o já referido artº 8 CPA).
 Relativamente à audiência prévia no acto administrativo, segundo os artigos 101º e 102º, esta pode realizar-se sob a forma escrita (em que o órgão instrutor deve notificar os interessados para se pronunciarem durante um prazo não inferior a 10 dias) ou sob a forma oral (em que os interessados devem ser convocados com, pelo menos, 8 dias de antecedência), respectivamente. O artº 103 consagra os casos em que não há lugar a audiência dos interessados (no seu número 1 – casos de inexistência) e os casos em que o órgão instrutor pode dispensar a audiência (no seu número 2 – casos de dispensa).
Na minha opinião, uma das mais interessantes questões acerca do direito de audiência prende-se com o seguinte ponto: o que acontece se, durante o procedimento administrativo do qual irá resultar um acto final, não houver lugar à audiência prévia dos interessados? Posto de outra maneira, qual é a sanção jurídica para a tomada de uma decisão sem audiência prévia (quando esta deveria ter tido lugar)? Em princípio, não se tratando de um caso do artº 133 CPA, o vício cairia no artº 135º, gerando anulabilidade, não afectando a produção de efeitos do acto até que este fosse impugnado. Contudo, a questão reside exactamente aqui: uma parte da doutrina considera que o direito de audiência prévia se trata de um direito fundamental, o que daria lugar à nulidade do acto, ex vi artº133/2/d) CPA; outra parte da doutrina considera que não se trata de um direito fundamental, e, por conseguinte, a sua falta geraria apenas a anulabilidade do acto administrativo, ex vi artº135 CPA.
Para FREITAS DO AMARAL, a preterição da audiência prévia dará lugar à mera anulabilidade do acto. Para este Autor, “os direitos fundamentais são apenas os direitos inerentes à dignidade essencial da pessoa humana”. Para além disto, FREITAS DO AMARAL baseia-se na jurisprudência administrativa, que se tem virado para a anulabilidade. De facto, este Autor refere que os tribunais se têm pronunciado pela anulabilidade nos casos da preterição da audiência do arguido em processo disciplinar. Assim, diz o Autor, se no caso mais grave de preterição de audiência dos cidadãos os tribunais se decidem pela anulabilidade, não será num caso menos grave como a preterição dos interessados no procedimento administrativo que haverá nulidade.
Todavia, para VASCO PEREIRA DA SILVA, o direito de audiência dos interessados é um direito fundamental. O Autor refere que com a passagem da Administração Pública a Administração prestadora e, posteriormente, a Administração de infra-estruturas, e, mais concretamente, com o aparecimento do conceito de relação jurídico-administrativa – em que o indivíduo é tratado como sujeito de direito nas relações com a Administração - observou-se um alargamento de direitos subjectivos no seio do Direito Administrativo que provêm dos Direitos Fundamentais, que colocam o particular “numa posição de igualdade (à partida) relativamente aos poderes públicos”. VASCO PEREIRA DA SILVA e FREITAS DO AMARAL falam no aparecimento do procedimento quadrifásico (por oposição ao procedimento tradicionalmente entendido como trifásico composto por iniciativa, instrução e decisão), visto que o CPA de 1991 consagrou, na opinião destes Autores, a obrigatoriedade da audiência prévia, o que corresponde a uma tutela antecipada dos direitos dos particulares. VASCO PEREIRA DA SILVA vai ainda mais além, afirmando que, mesmo que não se considere que o direito de audiência prévia não consubstancia um direito fundamental, “a não audiência do interessado implicaria sempre a violação de um direito fundamental, que seria agora não o direito de audiência (…) mas aqueloutro direito fundamental que fosse, em concreto, afectado por uma decisão administrativa (por exemplo, o direito de propriedade, o direito ao ambiente, o direito à saúde, etc.)” Também para MARCELO REBELO DE SOUSA, a preterição da audiência dos interessados conduz à nulidade do acto final. O Autor, contudo, toma outra via: considera a audiência dos interessados uma formalidade essencial, que constitui um elemento essencial de um acto administrativo, e que, deste modo, seria nulo por via do artº 133/1 CPA.
Na minha opinião, a razão está com VASCO PEREIRA DA SILVA. O direito de audiência prévia configura um direito fundamental, pelo que a sua preterição deve dar lugar à nulidade do acto em questão, ex vi artº 133/ CPA. Para mais, julgo que, contrariamente à jurisprudência, mesmo que admitíssemos que a preterição do dever de audição dos interessados por parte da Administração conduzisse à mera anulabilidade, dificilmente haveria lugar ao aproveitamento do acto jurídico, ou seja, dificilmente poderia esta preterição dar lugar a uma mera irregularidade. Para além do argumento enunciado por MARCELO REBELO DE SOUSA (acima referido), considero que a audição dos possíveis interessados – inclusive os cidadãos que possam não ter um direito lesado com a actuação da Administração mas que intervenham de qualquer maneira (o que, saliente-se, é permitido e encorajado pelo actual sistema jurídico) – pode dar lugar a uma alteração substancial da decisão administrativa. É impossível prever quais os interessados que compareceriam e quais as suas participações.  

Maria Madalena Narciso

Consagração do Acto Lesivo na Ordem Jurídica Portuguesa


Em que consiste este fenómeno do acto lesivo que veio assolar o Direito Administrativo?

Este trabalho tem como ponto de partida, a tese do professor Vasco Pereira da Silva, que parece ser pioneiro em Portugal na defesa deste fenómeno.
A partir da interpretação que se extraia da Constituição, entendia-se que para haver recurso de decisões administrativas era necessário, que os actos administrativos fossem definitivos e executórios; (art.º 268.º, n.º 3, versão de 1976) e (art.º 268.º, n.º 3, versão de 1982) ambos da CRP.
O texto originário da Constituição, estabelecia o seguinte: «É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios».
O professor Rogério Soares também criticava as noções de definitividade e executoriedade que estava associada ao acto administrativo e que permitia que esse fosse passível de recurso.
Para o professor Vasco Pereira da Silva, o problema que estava associado a este debate era a questão de ser atribuído ao acto administrativo uma noção restritiva que tinha em consideração apenas decisão jurídico-pública de natureza reguladora, o que excluía deste processo outras actuações administrativas passíveis de provocar lesões.
O que provoca grande angústia ao professor Vasco Pereira da Silva é o facto dele entender que não são apenas os actos administrativos definitivos mas, também os não definitivos que podem provocar lesão no interesse dos particulares, por isso, este autor defende que tanto os actos de execução como os actos preparatórios são verdadeiros e próprios actos administrativos e, porque o são, devem poder ser contenciosamente  impugnados sempre que os seus efeitos sejam susceptíveis de afectar direitos de particulares. Entende ainda, que os actos praticados por qualquer órgão administrativo, mesmo que não se trate ainda da decisão do órgão máximo da hierarquia (superior hierárquico), devem poder ser desde logo recorríveis, desde que lesivo dos direitos de particulares.
Para este autor, as decisões administrativas ainda que não possuam caracter de definitividade e executoriedade, desde que lesivas dos direitos dos particulares devem ser alvo de recurso. Esta posição encontra apoio na Constituição?
A pergunta acima tem resposta positiva desde a revisão constitucional de 1989, que consta no art.º 268.º, n.º 4  e 5 da Constituição que ( «é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos».) («é igualmente sempre garantido aos administrados O acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos»).
Houve uma inversão na letra da lei constitucional, no sentido de ir ao encontro da tese do acto lesivo defendida pelo professor Vasco Pereira da Silva; o legislador veio na opinião deste autor optar pela tese subjectiva, ao imprimir na letra da lei a protecção jurídica plena e efectiva dos particulares perante a Administração.
É possível extrair que no n.º 5, do art.º 268.º, nenhum direito subjectivo do particular perante Administração poderá ficar isento de tutela judicial.
Para o autor não há ou não deveria existir, actuações administrativas excluídas do recurso contencioso mas, há actos que não são recorríveis por não produzirem efeitos que provoquem lesão nos particulares.

Ao lado dessa discussão do acto lesivo, surgi outra questão da necessidade do recurso hierárquico necessário, o autor descarta a possibilidade da existência desse tipo de recurso por não acarretar vantagem para o particular afectado por um acto administrativo lesivo dos seus direitos, mas obrigados a espelhar por uma decisão de um outro órgão administrativo, que é parte interessada na questão a decidir, em vez de poderem recorrer imediatamente para um tribunal; a inexistência de recurso hierárquico necessário, está de acordo com o princípio da desconcentração (267.º/2 CRP), a falta de consagração deste tipo de recurso, não eximira o superior hierárquico de expressar a sua vontade, através da competência que este tem para revogar o acto.
Na óptica do professor Vasco Pereira da Silva, a norma do art.º 120.º do CP, afasta qualquer tipo de construção restritiva de acto regulador, ao adoptar um «conceito operativo» de acto administrativo, como decisão jurídico-pública da Administração destinada a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, assim, acto administrativo passou a ser qualquer actuação administrativa que produza efeitos jurídicos.
“Não faz sentido subtrair ao juiz admnistrativo a decisão de um litigio já existente entre o particular e a Administração, desencadeado pelo acto do subalterno, para atribuir ao superior hierárquico uma “última oportunidade” de o resolver pela via administrativa.
Na ordem jurídica portuguesa, a resolução de litígios é da competência dos  tribunais  e não das autoridades administrativas e o recurso hierárquico não é uma instância jurisdicional mas administrativa”.[1]
O desaparecimento do recurso hierárquico necessário é a melhor forma de prosseguir o princípio da desconcentração administrativa.
Como referi anteriormente, a inexistência de recurso hierárquico necessário, não exclui necessariamente o superior hierárquico de todo este processo, pois, este tem a faculdade de revogar o acto nos termos do art.º 138.º do CPA ou confirmá-lo. Enquanto que o particular apenas tem a possibilidade de interpor recurso tanto da decisão do subalterno como do particular.
Com esta ínfima dissertação, concluo que acto lesivo é aquele que é susceptível de impugnação de recurso, é o acto administrativo eficaz, que produz efeitos jurídicos e, que provoca lesão dos direitos dos particulares. Este acto de decisão da administração pública, não necessita de ser definitivo nem executório, pode ter sido uma decisão tanto praticada por um subalterno como pelo superior hierárquico, ser uma decisão intermédia.
 Recusa-se, do mesmo modo, neste trabalho a existência de recurso hierárquico necessário por ser ao mesmo tempo uma intromissão na actividade judicial e acarretar um protecção mais frágil dos direitos dos particulares.


[1]  Vasco Pereira da Silva, «Em busca do acto administrativo perdido», cit., p. 682

Notícia acerca da responsabilidade civil

Vi esta notícia já há umas semanas, mas guardei o link para quando estivéssemos a dar a responsabilidade civil das entidades públicas. Neste caso, a Câmara Municipal de Gaia foi condenada por incumprimento contratual. Apesar de nas aulas termos focado mais a matéria da responsabilidade extra-obrigacional, julgo que este tema também é interessante. Aqui fica o link:  http://www.publico.pt/local/noticia/camara-de-gaia-condenada-a-pagar-19-milhoes-de-indemnizacao-pela-vl9-1592435

Maria Madalena Narciso

VÍCIOS DO ACTO ADMINISTRATIVO

A noção de acto administrativo remonta à Revolução Francesa, em que o seu principal uso era o de delimitar a acção da Administração Pública através da fiscalização da sua actividade por tribunais judiciais.
Actualmente, entende-se por acto administrativo, e citando o Prof. Diogo Freitas do Amaral, “o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.” (Curso de Direito Administrativo- Volume II; pág. 238/239). Desta definição podemos retirar três importantes conclusões: em primeiro lugar, o acto administrativo é tido como um acto unilateral, que é praticado pela Administração; que o órgão que pratica este tipo de actos tem que estar para tal habilitado por lei e que, por último, tem como objectivo produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, note-se, diferente de geral e abstracta.
Feita uma breve introdução daquilo que “foi” e “é” o acto administrativo podemos avançar para o tema central desta exposição: o da ilegalidade do acto administrativo, mais especificamente dos seus vícios.
Por ilegalidade do acto administrativo entende-se a sua incapacidade de produzir os efeitos jurídicos previstos devido ao seu valor jurídico negativo que afecta o mesmo.
Delimitando um pouco mais o âmbito da ilegalidade do acto administrativo, podemos considerar que os vícios desses mesmos actos são tidos como diferentes tipos de ilegalidade do acto administrativo. Esta delimitação surgiu em França com o intuito de facilitar o recurso dos particulares aos tribunais administrativos, podendo estes especificar no caso em concreto o vício em causa, e não só, uma mera ilegalidade.
Assim sendo, surgiram diferentes tipos de vícios, sendo de destacar os seguintes:
1)      Usurpação de Poderes:
Este vício caracteriza-se por certo órgão administrativo praticar um determinado acto que se encontra nas atribuições de outro órgão e não no seu; estamos, deste modo, perante uma violação do princípio da separação de poderes (previsto na CRP nos arts. 2º e 111º); este tipo de vício subdivide-se noutros três sub-tipos, sendo eles: usurpação do poder legislativo, usurpação do poder moderador e usurpação do poder judicial.
2)     Incompetência:
            Neste tipo de situação, certo órgão administrativo pratica um acto administrativo para o qual não tem competência legal,  já que este se encontra nas atribuições de outro órgão; a incompetência de um acto administrativo pode ser tida como absoluta ou relativa.

3)     Vício de forma:
Neste tipo de vício, o acto administrativo em causa não reveste a forma legalmente exigida para produzir os efeitos jurídicos a que se destina; esta modalidade de ilegalidade do acto administrativo pode assumir três formas distintas: falta de forma necessária anterior à prática do acto, falta de forma necessária relativa à prática do acto e por último, a carência da forma legal necessária-
      4)Violação de lei:
        Tido como o vício mais abrangente, este caracteriza-se pela não conformidade do conteúdo do acto com as normas que lhe são aplicáveis. Tido como uma ilegalidade de natureza material pois  é a própria substância/ matéria do acto que é contrária à lei.
Esta modalidade de vício do acto divide-se em várias modalidades, tais como: a falta de base legal, o erro de direito; a incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do acto; a incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objecto do acto, a inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo abrangido pelo acto; a ilegalidade dos elementos acessórios incluídos no conteúdo do acto; e por fim, qualquer outra ilegalidade do acto que não possa ser considerada em outra categoria   de vício do acto administrativo.
        
        5)Desvio de poder:
       
        Este vício resulta da discrepância entre a utilização de um poder discricionário por uma razão distinta daquela  que a lei lhe pretendeu atribuir. Existe assim, uma diferença entre o fim legal (fim atribuído pela lei ao poder em causa) e o fim real (fim inerente ao exercício desse mesmo poder discricionário). Este desvio de poder pode ser em relação a fins de interesse público ou em relação a fins de interesse privado. No primeiro caso, existe um desvio de poder no âmbito da prossecução de um fim de interesse público, enquanto que no segundo caso, esse desvio de poder ocorre na prossecução de um fim de interesse privado.


Francisco Galvão nº 22173

sábado, 18 de maio de 2013

Regulamento Administrativo: tipos

O regulamento Administrativo caracteriza-se por ser uma norma jurídica que provêm do exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por uma entidade pública ou privada dotada, por lei, para tal. Esta noção de regulamento Administrativo comporta vários elementos - material, orgânico e funcional - que enunciarei sumariamente. O elemento material significa que o regulamento consiste em normas jurídicas, ou seja, dotado das características da generalidade (aplica-se a uma generalidade de destinatários) e da abstracção (aplica-se a todas as situações que preencham a previsão normativa); o elemento orgânico traduz a competência para a produção de regulamentos, neste caso, são os órgãos de uma pessoa colectiva pública que integram a Administração Pública. Podendo, também, ser executado por entidades de direito privado que compõem a Administração Pública; o elemento funcional remete para a origem do regulamento-  exercício do poder administrativo. Esta questão é suscitada quando se está perante um órgão que exerça várias competências, por exemplo o Governo é um órgão político (art. 197º CRP), legislativo (art. 198º da CRP)e administrativo (art. 199º da CRP) sendo um regulamento administrativo do Governo aquele que é produzido no centro do  exercício da sua função administrativa.
Importa, agora, referir alguns tipos de regulamentos administrativos: numa primeira distinção cabe a oposição entre regulamentos de execução e independentes. Os primeiros são aqueles que se destinam a desenvolver ou a complementar a matéria constante numa lei, podendo estes ser espontâneos - quando a própria lei não refere a criação deste acto, mas a Administração sente a necessidade de o elaborar - ou devidos, quando a lei impõe a sua criação de modo a incumbir à administração a tarefa de desenvolvimento em determinadas questões. Contudo, têm uma limitação legal, no que respeita às revogações de leis, constante do artigo 119º /1 do CPA:

"Os regulamentos necessários à execução das leis
em vigor não podem ser objecto de revogação global
semque amatéria seja simultaneamenteobjectodenova
regulamentação."


Os segundos são aqueles em que os órgãos administrativos elaboram para realizarem as suas atribuições como consta do artigo 241º da CRP relativo ao poder regulamentar das autarquias locais. Um exemplo deste tipo normativo é o regulamento do arquivo municipal de Aljustrel em que a Câmara Municipal estabelece um regime jurídico para a prossecução de uma atribuição que lhe compete - "sistematizar e disciplinar os critérios de actuação do Município no tocante à
produção, organização e gestão integrada dos arquivos" (Preâmbulo);



"Artigo 2.º 
Objecto 
O presente Regulamento estabelece e define as normas gerais de 
funcionamento do Arquivo Municipal de Aljustrel, assim como os princípios e as 
regras aplicáveis ao arquivo da documentação produzida pelo Município de 
Aljustrel, no âmbito das suas atribuições e competências, tendo em vista a sua 
preservação, defesa e valorização." 

Quanto ao objecto: regulamentos de organização, funcionamento e de polícia. 
Os de organização são aqueles que se destinam a difundir as funções de uma pessoa colectiva pública pelos diversos órgãos e departamentos que a constituem, tal como pelos diversos agentes que as executam; os de funcionamento visam disciplinar a "vida quotidiana dos serviços públicos" (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo volume II); os de polícia impõem limites à actuação dos indivíduos como forma de evitar danos sociais, um dos exemplos mais significativos são os regulamentos de trânsito.

Quanto à sua aplicação: gerais, locais e institucionais.
Serão gerais se se aplicarem a todo  território continental, locais os que vigorarem numa determinada circunscrição territorial  (regulamento produzido por uma região autónoma  por exemplo) e institucionais são aqueles que provem dos institutos públicos ou associações públicas e que se destinam, apenas, às pessoas que se encontrem sob a sua jurisdição.

Quanto à eficácia: regulamentos internos e externos.
Internos são aqueles que produzem efeitos dentro da esfera jurídica da pessoa colectiva que os emana e externos os que produzem os seus efeitos jurídicos a outros sujeitos de direito.



Marta Queiroz de Andrade

Possibilidade de degradação de formalidades essenciais em não essenciais em nome do princípio do aproveitamento de actos administrativos



As formalidades essenciais consistem em trâmites que têm de se verificar durante o procedimento administrativo sob pena da decisão final administrativa, resultante de um procedimento em que se preteriu alguma formalidade essencial, poder ser invalidada (anulada ou declarada nula) (veja-se por exemplo o caso da audiência prévia dos interessados, no âmbito da qual a doutrina discute se a sua preterição origina a nulidade ou anulabilidade).
Porém, em alguns casos, o próprio CPA admite a não observância de algumas formalidades essências por razões de celeridade, desnecessidade e prossecução do interesse público:

®    art.3º, Estado de necessidade
®    situações de urgência;
®    art.103º, que permite não realizar a audiência prévia.
®    art.21º


O princípio do aproveitamento de actos administrativos, em nome do princípio da eficácia, da racionalidade e da proporcionalidade, permite a não anulação de decisões finais administrativas quando se verificam as condições bastantes, cabendo nesta situação a preterição de formalidade essenciais que entretanto deixam de o ser para passarem a não essenciais, cuja preterição passa a acarretar irregularidade.
Existem algumas teses quanto à maneira de conceber este princípio:

·         As teses finalistas ou funcionalistas, defendem que a preterição de a uma formalidade, “só não deve provocar a anulação do acto pelo juiz se este comprovar que se alcançaram no caso concreto, embora por outra via, os fins específicos que o preceito visava atingir”;
·         As teses substancialistas procuram saber se o vício teve influência ou não na decisão; se não teve, presume-se que a decisão não ia ser diferente, pelo que não “teria sentido a anulação por defeito formal”.


A ideia é que a aplicação deste princípio só pode ter lugar quando o tribunal tem a certeza que o resultado teria sido exactamente o mesmo com ou sem formalidade.
            Defendemos assim que estes actos administrativos praticados não devem ser declarados inválidos, por vícios formais, de acordo com o princípio do aproveitamento dos actos administrativos. Essas formalidades essenciais, que no caso concreto deixam de ser tão essenciais, são descaracterizadas e degradadas em formalidades não-essenciais, cuja não observação resulta somente na mera irregularidade.

            Antes de mais desenvolvimentos, somos obrigados a delimitar a nossa posição: não defendemos a não degradação destas formalidades em qualquer caso da actuação administrativa – só no caso em que a Administração Pública actua com poderes vinculativos. Uma vez que só neste caso a Administração não tinha vários elementos para poder fazer valorações sobre o resultado final, ou seja, quando o acto só podia ter aquele conteúdo face à Lei, quando a decisão viciada só puder, em abstracto, ter o mesmo conteúdo que teve em concreto; quando o conteúdo não possa ter outra alternativa juridicamente válida.
            Por outro lado, só é possível o aproveitamento dos actos administrativos feridos de anulabilidade, uma vez que nos termos do artigo 137º, os actos feridos de nulidade não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão. Ou seja, uma norma que determine a anulabilidade do acto não impõe a sua anulação quando o fim específico que constitui a razão de ser normativa se cumprir, sendo então o desvalor aplicado o da mera irregularidade. Desta maneira, para podermos aplicar o princípio do aproveitamento dos a.a., o desvalor jurídico atribuído à preterição de formalidades essenciais só pode ser o da anulabilidade. No caso de falta de fundamentação, verifica-se. No caso de preterição da audiência prévia, existe uma divisão: Freitas do Amaral refere que o desvalor seria a anulabilidade, enquanto que para os professores Vasco da Silva, Marcello Caetano e Sérvulo Correia, trata-se de uma nulidade, por se tratar de um verdadeiro direito fundamental. Contudo, o STA refere que é permitido o seu aproveitamento, verificando-se caso a caso.

A nosso ver as críticas tecidas a este princípio (nomeadamente, o facto de se processar à margem da lei e de conduzir à violação da separação de poderes) não procedem:
            O procedimento administrativo, quando foi criado, teve como principais objectivos juridificar uma área do Direito (a actividade administrativa desenvolvida para a produção de um acto administrativo) que se processava à sua margem, no intuito de proteger as posições jurídicas subjectivas dos interessados, sobre os quais recaiam as decisões administrativas; e permitir que fossem tomadas as melhores decisões possíveis em termos de prossecução do interesse público, uma vez que particulares e Administração colaboravam para esse fim.
Assim a não observação de algumas formalidades essenciais do procedimento, para além de violar a lei, acarreta a transgressão de princípios constitucionais. Contudo, por vezes em determinadas circunstâncias, o não aproveitamento de um acto que preteriu formalidades essenciais poderá resultar, senão na violação, pelo menos na não observação de outros princípios constitucionais, como o da eficiência ou da racionalidade.
De facto, se se conclui que a Administração não teria decidido de modo diferente se tivesse observado todas as formalidades, qual a necessidade de duplicar actuações para se chegar à mesma conclusão? Não ajudaria de todo a celeridade requerida pelo princípio da eficiência e da desburocratização, nem a optimização de custos-benefícios (e mesmo a necessidade) exigida pelo princípio da proporcionalidade.
Encontrando-nos no âmbito de princípios, e seguindo Alexy, sendo os princípios critérios de optimização, havendo conflitos entre eles, haverá que pondera-los, cedendo cada um na medida do necessário.
Sendo assim, o que se terá de fazer para admitir a aplicação do princípio é ponderar princípios: o do aproveitamento de actos administrativos (decorrente do princípio de desburocratização e eficiência), com o princípio violado pela preterência da formalidade essencial, por exemplo o da não participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito (no caso de não realização ilegal da audiência prévia dos interessados – 100ºCPA -, e para quem não reconduz a audiência prévia a um direito fundamental), que no caso concreto, a ter sido observado, não conduziria a um resultado diferente do verificado.
            Deste modo, se é verdade que se processa à margem da lei, não se processa à margem de princípios constitucionais.

Se não se admitisse a degradação em nome do princípio da legalidade, pois o fim especificamente formal foi verificado, reduzir-se-ia a um formalismo excessivo, que acabaria por “não servir nem tutelar nenhum interesse relevante” (STA).

            Também não ocorre uma verdadeira violação da separação de poderes: não há mais violação de poderes que aquela que resulta dos tribunais se substituírem à administração na emissão do acto que esta deveria produzir, admitida pelo CPTA (art.71º). Além do mais, o Tribunal não se substitui à Administração, sendo este principio apenas aplicável ao exercício de poderes vinculados, o juiz apenas reconstrói os passos que já estavam previamente definidos pelo legislador, faz apenas um juízo de valor que não se mistura com o procedimento administrativo. Além do mais, este juízo ocorre após concluído o acto. Por outras palavras, há um desfasamento material e temporal do acto administrativo.

Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, “Direito Administrativo Geral”, tomo III 2ª edição, páginas 55 a 56
Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, páginas …
Vieira de Andrade, “Não cumprimento do dever de fundamentação”, páginas 307 a 336
Inês Ramalho, “ O princípio do aproveitamento do acto Administrativo”

Ana Catarina Melícia & Filipe Rodrigues