quinta-feira, 9 de maio de 2013

O dever de revogar



       Por vezes questiona-se se perante um acto inválido (na vertente da anulabilidade) a administração tem a faculdade (e por isso um poder discricionário) ou o dever (neste caso um poder vinculado) de revogar o acto.
Inicialmente o Professor Diogo Freitas do Amaral tendeu a concordar com o Professor Marcello Caetano e defender que era uma faculdade, porque era não só o que resultava dos artigos 83º (disponha “que as decisões do presidente da câmara podem por ele ser revogadas”) e 411º do CA; como era ainda o que se subentendia da possibilidade que a Administração tinha em optar por ratificar, converter ou reformar o acto, convalidando-o. Desta forma, concluíam ambos os autores que o legislador ao ter permitido o administrador optar pela revogação ou pela convalidação do acto, não podia ter vinculado a administração a anular actos inválidos, pois a ser assim o administrador nunca poderia sanar a ilegalidade.
Marcello Caetano acrescentava ainda que a Administração “pode legitimamente pretender, perante um acto ilegal praticado, salvar a decisão nele contida e mantê-lo na ordem jurídica…aguardando a sua sanação”, não constituindo para o autor, esta situação, um desvio ao princípio da legalidade, porque “ou é interposto recurso contencioso, e o acto é anulado, ou não é e o acto fica sanado”.
 Alguns autores apontam que admitir a revogação vinculada em caso de invalidade poderia por em causa situações já consolidadas e consequentemente a tutela de confiança decorrente do princípio da boa fé. Só a discricionariedade da revogação (ou da anulação graciosa) poderia salvaguardar estas situações, permitindo à administração “apreciar em cada caso concreto a conveniência e oportunidade da anulação em particular a justiça ou a equidade dos seus efeitos em relação aos terceiros de boa fé”.
            Actualmente o primeiro dos Professores defende a posição contrária: opta pelo dever de revogação em casos de garantias não contenciosas do particular (art. 52º/1 CRP), em nome do princípio da legalidade e do dever de justiça (situações como os actos ilegais apreciados em sede de reclamação, actos ilegais apreciados em sede de recurso hierárquico, e actos ilegais apreciados em sede de recurso hierárquico impróprio).
            Estende ainda este dever aos casos em que é a própria administração que se apercebe (ou quando há uma denúncia) do acto ilegal praticado, invocando o princípio da legalidade, que obriga não só à observância da lei como à reposição da legalidade em caso de ilegalidade como indica o Professor Paulo Otero. Chama a atenção (este último Professor) que “o dever de repor a legalidade…constitui também um afloramento de uma administração vinculada ao respeito pelos direitos e demais posições subjectivas dos administrados”.
            Por sua vez, Robin de Andrade entende que da legislação existente (na altura em que escreveu não havia CPA, mas mesmo este não resolve a questão), nomeadamente do artigo 83º do CA, não é possível retirar “ a rejeição de um dever de revogar, podendo” as expressões utilizadas ser “interpretadas quer no sentido de uma vinculação quer no de uma discricionariedade”.
            Atendendo à possibilidade de a Administração poder optar entre revogar ou sanar a invalidade (que seria indicador de um poder discricionário, uma vez que a ser vinculada a revogação, a Administração nunca poderia utilizar a hipótese da sanação), Robin de Andrade responde que “o carácter vinculado…não impede o órgão para tal competente de extirpar a ilegalidade do acto, ratificando-o ou sanando-o”. Continua o mesmo autor; “Impede apenas esse órgão de, mantendo-se intacta a ilegalidade e invalidade do acto viciado, a ela não atender”.
             Ao argumento da tutela da confiança, o autor afirma que não procede, uma vez que as situações jurídicas estão protegidas pelo prazo do recurso contencioso, a partir do qual deixa de a Administração poder revogar o acto (actualmente art.141ºCPA, o prazo é de um ano).

            Tomando posição, tenho de concordar com o dever por parte da administração em revogar actos ilegais por ela praticados. Concordo com todos os argumentos apontados em defesa desta posição.
O facto de Administração estar vinculada a revogar um acto ilegal não a impede de sanar a invalidade, pois ambas as opções visão o mesmo fim: repor a legalidade, constituindo por isso (como indica Diogo Freitas do Amaral) uma obrigação de faculdade alternativa. Assim, julgo que a Administração está vinculada a “extirpar” a invalidade quando dela saiba, mas terá discricionariedade quanto ao meio que utilizará para o fazer.

Com o devido respeito, também não concordo com o Professor Marcelo Caetano quando indica que o decurso do prazo sana a invalidade, podendo por isso a Administração aguardar legitimamente pelo termo deste. O autor faz uma comparação com a força do caso julgado, em que “esgotados ou dispensados pelo interessado os meios ordinários de recurso, a sentença adquire o valor de caso julgado, isto é, torna certos os factos ou direitos verificados no processo, conferindo-lhes força de verdade legal”, não podendo ser questionada após ter adquirido a força de caso julgado. Assim a força do caso decidido (adquirida após o decurso do tempo) impõe que o acto viciado passe a ser a “verdade legal”.   
Sigo a orientação do Professor Vasco Pereira da Silva, que afirma que o termo do prazo não é sinónimo de um Milagre das Rosas, que o simples correr do tempo converte “o acto viciado em acto são”. O decurso do prazo produz efeitos apenas em matéria processual, não em termos substantivos, pois não há dúvida que o acto, mesmo passado um ano, permanece contrário a alguma norma (só se a norma que o torna inválido for ela própria revogada ou substituída por outra que permita ao acto ser válido).
Para o Professor, o entendimento de Marcello Caetano está também ultrapassado, pois actualmente não só não é possível aproximar o acto administrativo a sentença proferida pelo juiz, como o artigo 38º/1 do CPTA permite que o tribunal conheça, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado.  


Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição pág.500 a 503
Paulo Otero,  O poder de substituição em direito administrativo, volume II, pág.580 a 583
Robin de Andrade,  A Revogação de actos administrativos, pág. 256 a 268


Ana Catarina Melícia

Sem comentários:

Enviar um comentário