Por vezes questiona-se se perante um acto inválido (na vertente da anulabilidade) a administração tem a faculdade (e por isso um poder discricionário) ou o dever (neste caso um poder vinculado) de revogar o acto.
Inicialmente o Professor Diogo Freitas
do Amaral tendeu a concordar com o Professor Marcello Caetano e defender que
era uma faculdade, porque era não só o que resultava dos artigos 83º (disponha
“que as decisões do presidente da câmara podem
por ele ser revogadas”) e 411º do CA; como era ainda o que se subentendia da
possibilidade que a Administração tinha em optar por ratificar, converter ou
reformar o acto, convalidando-o. Desta forma, concluíam ambos os autores que o
legislador ao ter permitido o administrador optar pela revogação ou pela
convalidação do acto, não podia ter vinculado a administração a anular actos
inválidos, pois a ser assim o administrador nunca poderia sanar a ilegalidade.
Marcello Caetano acrescentava ainda
que a Administração “pode legitimamente pretender, perante um acto ilegal
praticado, salvar a decisão nele contida e mantê-lo na ordem
jurídica…aguardando a sua sanação”, não constituindo para o autor, esta
situação, um desvio ao princípio da legalidade, porque “ou é interposto recurso
contencioso, e o acto é anulado, ou não é e o acto fica sanado”.
Alguns autores apontam que admitir a revogação
vinculada em caso de invalidade poderia por em causa situações já consolidadas
e consequentemente a tutela de confiança decorrente do princípio da boa fé. Só
a discricionariedade da revogação (ou da anulação graciosa) poderia
salvaguardar estas situações, permitindo à administração “apreciar em cada caso
concreto a conveniência e oportunidade da anulação em particular a justiça ou a
equidade dos seus efeitos em relação aos terceiros de boa fé”.
Actualmente
o primeiro dos Professores defende a posição contrária: opta pelo dever de
revogação em casos de garantias não contenciosas do particular (art. 52º/1
CRP), em nome do princípio da legalidade e do dever de justiça (situações como
os actos ilegais apreciados em sede de reclamação, actos ilegais apreciados em
sede de recurso hierárquico, e actos ilegais apreciados em sede de recurso
hierárquico impróprio).
Estende
ainda este dever aos casos em que é a própria administração que se apercebe (ou
quando há uma denúncia) do acto ilegal praticado, invocando o princípio da
legalidade, que obriga não só à observância da lei como à reposição da
legalidade em caso de ilegalidade como indica o Professor Paulo Otero. Chama a
atenção (este último Professor) que “o dever de repor a legalidade…constitui
também um afloramento de uma administração vinculada ao respeito pelos direitos
e demais posições subjectivas dos administrados”.
Por sua
vez, Robin de Andrade entende que da legislação existente (na altura em que
escreveu não havia CPA, mas mesmo este não resolve a questão), nomeadamente do
artigo 83º do CA, não é possível retirar “ a rejeição de um dever de revogar,
podendo” as expressões utilizadas ser “interpretadas quer no sentido de uma
vinculação quer no de uma discricionariedade”.
Atendendo
à possibilidade de a Administração poder optar entre revogar ou sanar a
invalidade (que seria indicador de um poder discricionário, uma vez que a ser
vinculada a revogação, a Administração nunca poderia utilizar a hipótese da
sanação), Robin de Andrade responde que “o carácter vinculado…não impede o
órgão para tal competente de extirpar a ilegalidade do acto, ratificando-o ou
sanando-o”. Continua o mesmo autor; “Impede apenas esse órgão de, mantendo-se
intacta a ilegalidade e invalidade do acto viciado, a ela não atender”.
Ao argumento da tutela da confiança, o autor
afirma que não procede, uma vez que as situações jurídicas estão protegidas
pelo prazo do recurso contencioso, a partir do qual deixa de a Administração
poder revogar o acto (actualmente art.141ºCPA, o prazo é de um ano).
Tomando
posição, tenho de concordar com o dever por parte da administração em revogar
actos ilegais por ela praticados. Concordo com todos os argumentos apontados em
defesa desta posição.
O facto de Administração estar
vinculada a revogar um acto ilegal não a impede de sanar a invalidade, pois
ambas as opções visão o mesmo fim: repor a legalidade, constituindo por isso
(como indica Diogo Freitas do Amaral) uma obrigação de faculdade alternativa.
Assim, julgo que a Administração está vinculada a “extirpar” a invalidade
quando dela saiba, mas terá discricionariedade quanto ao meio que utilizará
para o fazer.
Com o devido respeito, também não
concordo com o Professor Marcelo Caetano quando indica que o decurso do prazo
sana a invalidade, podendo por isso a Administração aguardar legitimamente pelo
termo deste. O autor faz uma comparação com a força do caso julgado, em que
“esgotados ou dispensados pelo interessado os meios ordinários de recurso, a sentença
adquire o valor de caso julgado, isto é, torna certos os factos ou direitos
verificados no processo, conferindo-lhes força de verdade legal”, não podendo
ser questionada após ter adquirido a força de caso julgado. Assim a força do
caso decidido (adquirida após o decurso do tempo) impõe que o acto viciado
passe a ser a “verdade legal”.
Sigo a orientação do Professor Vasco
Pereira da Silva, que afirma que o termo do prazo não é sinónimo de um Milagre
das Rosas, que o simples correr do tempo converte “o acto viciado em acto são”.
O decurso do prazo produz efeitos apenas em matéria processual, não em termos
substantivos, pois não há dúvida que o acto, mesmo passado um ano, permanece
contrário a alguma norma (só se a norma que o torna inválido for ela própria
revogada ou substituída por outra que permita ao acto ser válido).
Para o Professor, o entendimento de
Marcello Caetano está também ultrapassado, pois actualmente não só não é
possível aproximar o acto administrativo a sentença proferida pelo juiz, como o
artigo 38º/1 do CPTA permite que o tribunal conheça, a título incidental, da
ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado.
Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição pág.500 a 503
Paulo Otero, O poder de substituição em direito administrativo, volume II, pág.580 a 583
Robin de Andrade, A Revogação de actos administrativos, pág. 256 a 268
Ana Catarina Melícia
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