sábado, 18 de maio de 2013

Possibilidade de degradação de formalidades essenciais em não essenciais em nome do princípio do aproveitamento de actos administrativos



As formalidades essenciais consistem em trâmites que têm de se verificar durante o procedimento administrativo sob pena da decisão final administrativa, resultante de um procedimento em que se preteriu alguma formalidade essencial, poder ser invalidada (anulada ou declarada nula) (veja-se por exemplo o caso da audiência prévia dos interessados, no âmbito da qual a doutrina discute se a sua preterição origina a nulidade ou anulabilidade).
Porém, em alguns casos, o próprio CPA admite a não observância de algumas formalidades essências por razões de celeridade, desnecessidade e prossecução do interesse público:

®    art.3º, Estado de necessidade
®    situações de urgência;
®    art.103º, que permite não realizar a audiência prévia.
®    art.21º


O princípio do aproveitamento de actos administrativos, em nome do princípio da eficácia, da racionalidade e da proporcionalidade, permite a não anulação de decisões finais administrativas quando se verificam as condições bastantes, cabendo nesta situação a preterição de formalidade essenciais que entretanto deixam de o ser para passarem a não essenciais, cuja preterição passa a acarretar irregularidade.
Existem algumas teses quanto à maneira de conceber este princípio:

·         As teses finalistas ou funcionalistas, defendem que a preterição de a uma formalidade, “só não deve provocar a anulação do acto pelo juiz se este comprovar que se alcançaram no caso concreto, embora por outra via, os fins específicos que o preceito visava atingir”;
·         As teses substancialistas procuram saber se o vício teve influência ou não na decisão; se não teve, presume-se que a decisão não ia ser diferente, pelo que não “teria sentido a anulação por defeito formal”.


A ideia é que a aplicação deste princípio só pode ter lugar quando o tribunal tem a certeza que o resultado teria sido exactamente o mesmo com ou sem formalidade.
            Defendemos assim que estes actos administrativos praticados não devem ser declarados inválidos, por vícios formais, de acordo com o princípio do aproveitamento dos actos administrativos. Essas formalidades essenciais, que no caso concreto deixam de ser tão essenciais, são descaracterizadas e degradadas em formalidades não-essenciais, cuja não observação resulta somente na mera irregularidade.

            Antes de mais desenvolvimentos, somos obrigados a delimitar a nossa posição: não defendemos a não degradação destas formalidades em qualquer caso da actuação administrativa – só no caso em que a Administração Pública actua com poderes vinculativos. Uma vez que só neste caso a Administração não tinha vários elementos para poder fazer valorações sobre o resultado final, ou seja, quando o acto só podia ter aquele conteúdo face à Lei, quando a decisão viciada só puder, em abstracto, ter o mesmo conteúdo que teve em concreto; quando o conteúdo não possa ter outra alternativa juridicamente válida.
            Por outro lado, só é possível o aproveitamento dos actos administrativos feridos de anulabilidade, uma vez que nos termos do artigo 137º, os actos feridos de nulidade não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão. Ou seja, uma norma que determine a anulabilidade do acto não impõe a sua anulação quando o fim específico que constitui a razão de ser normativa se cumprir, sendo então o desvalor aplicado o da mera irregularidade. Desta maneira, para podermos aplicar o princípio do aproveitamento dos a.a., o desvalor jurídico atribuído à preterição de formalidades essenciais só pode ser o da anulabilidade. No caso de falta de fundamentação, verifica-se. No caso de preterição da audiência prévia, existe uma divisão: Freitas do Amaral refere que o desvalor seria a anulabilidade, enquanto que para os professores Vasco da Silva, Marcello Caetano e Sérvulo Correia, trata-se de uma nulidade, por se tratar de um verdadeiro direito fundamental. Contudo, o STA refere que é permitido o seu aproveitamento, verificando-se caso a caso.

A nosso ver as críticas tecidas a este princípio (nomeadamente, o facto de se processar à margem da lei e de conduzir à violação da separação de poderes) não procedem:
            O procedimento administrativo, quando foi criado, teve como principais objectivos juridificar uma área do Direito (a actividade administrativa desenvolvida para a produção de um acto administrativo) que se processava à sua margem, no intuito de proteger as posições jurídicas subjectivas dos interessados, sobre os quais recaiam as decisões administrativas; e permitir que fossem tomadas as melhores decisões possíveis em termos de prossecução do interesse público, uma vez que particulares e Administração colaboravam para esse fim.
Assim a não observação de algumas formalidades essenciais do procedimento, para além de violar a lei, acarreta a transgressão de princípios constitucionais. Contudo, por vezes em determinadas circunstâncias, o não aproveitamento de um acto que preteriu formalidades essenciais poderá resultar, senão na violação, pelo menos na não observação de outros princípios constitucionais, como o da eficiência ou da racionalidade.
De facto, se se conclui que a Administração não teria decidido de modo diferente se tivesse observado todas as formalidades, qual a necessidade de duplicar actuações para se chegar à mesma conclusão? Não ajudaria de todo a celeridade requerida pelo princípio da eficiência e da desburocratização, nem a optimização de custos-benefícios (e mesmo a necessidade) exigida pelo princípio da proporcionalidade.
Encontrando-nos no âmbito de princípios, e seguindo Alexy, sendo os princípios critérios de optimização, havendo conflitos entre eles, haverá que pondera-los, cedendo cada um na medida do necessário.
Sendo assim, o que se terá de fazer para admitir a aplicação do princípio é ponderar princípios: o do aproveitamento de actos administrativos (decorrente do princípio de desburocratização e eficiência), com o princípio violado pela preterência da formalidade essencial, por exemplo o da não participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito (no caso de não realização ilegal da audiência prévia dos interessados – 100ºCPA -, e para quem não reconduz a audiência prévia a um direito fundamental), que no caso concreto, a ter sido observado, não conduziria a um resultado diferente do verificado.
            Deste modo, se é verdade que se processa à margem da lei, não se processa à margem de princípios constitucionais.

Se não se admitisse a degradação em nome do princípio da legalidade, pois o fim especificamente formal foi verificado, reduzir-se-ia a um formalismo excessivo, que acabaria por “não servir nem tutelar nenhum interesse relevante” (STA).

            Também não ocorre uma verdadeira violação da separação de poderes: não há mais violação de poderes que aquela que resulta dos tribunais se substituírem à administração na emissão do acto que esta deveria produzir, admitida pelo CPTA (art.71º). Além do mais, o Tribunal não se substitui à Administração, sendo este principio apenas aplicável ao exercício de poderes vinculados, o juiz apenas reconstrói os passos que já estavam previamente definidos pelo legislador, faz apenas um juízo de valor que não se mistura com o procedimento administrativo. Além do mais, este juízo ocorre após concluído o acto. Por outras palavras, há um desfasamento material e temporal do acto administrativo.

Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, “Direito Administrativo Geral”, tomo III 2ª edição, páginas 55 a 56
Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, páginas …
Vieira de Andrade, “Não cumprimento do dever de fundamentação”, páginas 307 a 336
Inês Ramalho, “ O princípio do aproveitamento do acto Administrativo”

Ana Catarina Melícia & Filipe Rodrigues


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