domingo, 19 de maio de 2013

Consagração do Acto Lesivo na Ordem Jurídica Portuguesa


Em que consiste este fenómeno do acto lesivo que veio assolar o Direito Administrativo?

Este trabalho tem como ponto de partida, a tese do professor Vasco Pereira da Silva, que parece ser pioneiro em Portugal na defesa deste fenómeno.
A partir da interpretação que se extraia da Constituição, entendia-se que para haver recurso de decisões administrativas era necessário, que os actos administrativos fossem definitivos e executórios; (art.º 268.º, n.º 3, versão de 1976) e (art.º 268.º, n.º 3, versão de 1982) ambos da CRP.
O texto originário da Constituição, estabelecia o seguinte: «É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios».
O professor Rogério Soares também criticava as noções de definitividade e executoriedade que estava associada ao acto administrativo e que permitia que esse fosse passível de recurso.
Para o professor Vasco Pereira da Silva, o problema que estava associado a este debate era a questão de ser atribuído ao acto administrativo uma noção restritiva que tinha em consideração apenas decisão jurídico-pública de natureza reguladora, o que excluía deste processo outras actuações administrativas passíveis de provocar lesões.
O que provoca grande angústia ao professor Vasco Pereira da Silva é o facto dele entender que não são apenas os actos administrativos definitivos mas, também os não definitivos que podem provocar lesão no interesse dos particulares, por isso, este autor defende que tanto os actos de execução como os actos preparatórios são verdadeiros e próprios actos administrativos e, porque o são, devem poder ser contenciosamente  impugnados sempre que os seus efeitos sejam susceptíveis de afectar direitos de particulares. Entende ainda, que os actos praticados por qualquer órgão administrativo, mesmo que não se trate ainda da decisão do órgão máximo da hierarquia (superior hierárquico), devem poder ser desde logo recorríveis, desde que lesivo dos direitos de particulares.
Para este autor, as decisões administrativas ainda que não possuam caracter de definitividade e executoriedade, desde que lesivas dos direitos dos particulares devem ser alvo de recurso. Esta posição encontra apoio na Constituição?
A pergunta acima tem resposta positiva desde a revisão constitucional de 1989, que consta no art.º 268.º, n.º 4  e 5 da Constituição que ( «é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos».) («é igualmente sempre garantido aos administrados O acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos»).
Houve uma inversão na letra da lei constitucional, no sentido de ir ao encontro da tese do acto lesivo defendida pelo professor Vasco Pereira da Silva; o legislador veio na opinião deste autor optar pela tese subjectiva, ao imprimir na letra da lei a protecção jurídica plena e efectiva dos particulares perante a Administração.
É possível extrair que no n.º 5, do art.º 268.º, nenhum direito subjectivo do particular perante Administração poderá ficar isento de tutela judicial.
Para o autor não há ou não deveria existir, actuações administrativas excluídas do recurso contencioso mas, há actos que não são recorríveis por não produzirem efeitos que provoquem lesão nos particulares.

Ao lado dessa discussão do acto lesivo, surgi outra questão da necessidade do recurso hierárquico necessário, o autor descarta a possibilidade da existência desse tipo de recurso por não acarretar vantagem para o particular afectado por um acto administrativo lesivo dos seus direitos, mas obrigados a espelhar por uma decisão de um outro órgão administrativo, que é parte interessada na questão a decidir, em vez de poderem recorrer imediatamente para um tribunal; a inexistência de recurso hierárquico necessário, está de acordo com o princípio da desconcentração (267.º/2 CRP), a falta de consagração deste tipo de recurso, não eximira o superior hierárquico de expressar a sua vontade, através da competência que este tem para revogar o acto.
Na óptica do professor Vasco Pereira da Silva, a norma do art.º 120.º do CP, afasta qualquer tipo de construção restritiva de acto regulador, ao adoptar um «conceito operativo» de acto administrativo, como decisão jurídico-pública da Administração destinada a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, assim, acto administrativo passou a ser qualquer actuação administrativa que produza efeitos jurídicos.
“Não faz sentido subtrair ao juiz admnistrativo a decisão de um litigio já existente entre o particular e a Administração, desencadeado pelo acto do subalterno, para atribuir ao superior hierárquico uma “última oportunidade” de o resolver pela via administrativa.
Na ordem jurídica portuguesa, a resolução de litígios é da competência dos  tribunais  e não das autoridades administrativas e o recurso hierárquico não é uma instância jurisdicional mas administrativa”.[1]
O desaparecimento do recurso hierárquico necessário é a melhor forma de prosseguir o princípio da desconcentração administrativa.
Como referi anteriormente, a inexistência de recurso hierárquico necessário, não exclui necessariamente o superior hierárquico de todo este processo, pois, este tem a faculdade de revogar o acto nos termos do art.º 138.º do CPA ou confirmá-lo. Enquanto que o particular apenas tem a possibilidade de interpor recurso tanto da decisão do subalterno como do particular.
Com esta ínfima dissertação, concluo que acto lesivo é aquele que é susceptível de impugnação de recurso, é o acto administrativo eficaz, que produz efeitos jurídicos e, que provoca lesão dos direitos dos particulares. Este acto de decisão da administração pública, não necessita de ser definitivo nem executório, pode ter sido uma decisão tanto praticada por um subalterno como pelo superior hierárquico, ser uma decisão intermédia.
 Recusa-se, do mesmo modo, neste trabalho a existência de recurso hierárquico necessário por ser ao mesmo tempo uma intromissão na actividade judicial e acarretar um protecção mais frágil dos direitos dos particulares.


[1]  Vasco Pereira da Silva, «Em busca do acto administrativo perdido», cit., p. 682

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